Saudades do que eu não vivi: “Revival 69 - The Concert That Rocked The World”
- Troque o Disco
- 24 de jun.
- 4 min de leitura

“Revival 69: The Concert That Rocked The World” (2022), de Ron Chapman, não é
apenas mais um registro de um show. Tão pouco um documentário musical de formato
batido como tantos por aí. Ele é, na verdade, um afago aos tantos fãs de rock'n'roll que não
puderam viver tempos dourados da música - ou até mesmo para aqueles que já estavam
nesse mundo e gostariam de voltar no tempo se isso fosse possível.
Com um lineup de peso (Chuck Berry, Jerry Lee Lewis, Little Richard, The Doors, Alice
Cooper e John Lennon, entre tantos outros grandes artistas), o Toronto Rock n Roll
Revival foi idealizado por dois jovens de 20 e poucos anos que simplesmente tiveram
coragem. Coragem para tentar e, ainda mais coragem, para seguir em frente com uma
ideia, até então, muito maluca e sem dinheiro.

O filme narra todo o processo de organização do festival, classificado como o segundo
momento mais importante da história do rock pela Revista Rolling Stone, desde a
concepção da ideia por John Brower e Ken Walker até sua incrível - e improvável -
realização. Mas se são as reviravoltas que fazem uma boa história, nesta não faltam “plofts”
twists. A começar pelo fato de que eles conseguiram reunir grandes nomes da música já consagrados desde os anos 1950 em uma mesma data, sendo apenas dois jovens
desconhecidos do business musical. Depois, entenderam que precisavam trazer nomes
atuais para atrair um público mais jovem e conseguiram nada menos que The Doors como
atração principal. Mas mesmo com grandes nomes já confirmados, ainda não havia uma
comoção em Toronto. Então trouxeram Kim Fowley, celebrado produtor musical da época,
como mestre de cerimônias, mas seguiram sem quórum. Foi então que o próprio Fowley
deu a ideia de tentar trazer John Lennon, que andava meio distante de seus amigos
Beatles, mas que poderia ser a grande chave para o festival vingar. E ele estava certo.
A partir do momento em que John Lennon é convencido a participar, com uma banda
improvisada em dois dias que viria ser a Plastic Ono Band (com nada menos que Eric
Clapton sendo um dos músicos), o documentário abraça o fã da música boa e o embala nos braços com rock'n'roll de fundo fazendo as vezes de canção de ninar. A emoção tomou conta daquela sessão: ouvia-se as pessoas suspirarem, se surpreenderem, rirem e
torcerem pelo próximo ‘capítulo’ daquela saga de levar John e sua - nova - trupe da
Inglaterra para o Canadá em 24h (ou pouco mais).Chapman mostra pela visão de quem esteve presente todo esse desenrolar, o que fez com que o espectador sentisse a emoção de quem fala e pudesse entender melhor um pouco do que isso representou para cada um deles, além de acessar um lado mais humano de
pessoas que você admira e nunca pensou em estar próximo.
É isso o que um bom documentário faz: aproxima o público, nesse caso, de um marco histórico de mais de 50 anos atrás e de grandes artistas que vivem até hoje no nosso imaginário e em nossos corações. Ron Chapman soube traduzir uma história de sucesso e de realização de outros, em sentimento para nós, os saudosos fãs do bom e velho rock'n'roll.

Tenho certeza que todos saímos dali um pouco mais felizes por vermos alguns de nossos
artistas favoritos (e que não podemos mais ver ao vivo) mais perto e de um jeito mais
humano, seja através da demonstração de suas qualidades - como a Plastic Ono Band que
subiu no palco sem ensaiar nem uma vez nas 24h desde sua formação, tudo correu bem
porque os músicos eram de um calibre altíssimo, ou então um momento de John sendo
carinhoso e acolhendo uma Yoko um pouco perdida no palco e na sua arte -, ou de suas
fraquezas - como um Chuck Berry inseguro por tocar com músicos que nunca tinha visto na
vida, ou Little Richard que não queria entrar no palco com a iluminação original pois seu
figurino tinha sido pensado para outro tipo de luz, e até mesmo um novato Alice Cooper
fazendo atrocidades no palco (a fatídica história da galinha¹ foi ali!), onde se consagrou um
dos “vilões” do rock'n'roll, como ele mesmo diz, já que só existiam os bons moços até ali (na
cabeça dele).
Ao acendar das luzes da sala de cinema com os olhinhos ofuscados pela claridade
repentina, o sentimento foi de 'quero mais', mesmo quase 2h de filme depois. É então que
surge o diretor Ron Chapman para um bate-papo com a platéia, entregando o complemento
tão esperado. Em uma conversa descontraída, ele tirou curiosidades que surgiram ao longo
do documentário, o que enriqueceu ainda mais essa experiência. Mas esses detalhes ficam
para outra hora e gostaria de pontuar uma coisa só: Chapman é divertidíssimo e já poderia
ser mais uma dessas personalidades que o Brasil adota e entrega um CPF.
Ao sair da sala, agora já bem iluminada e enxergando melhor, carrego comigo a trilha
sonora de uma era que não presenciei, mas percebi que não é preciso ter estado lá para
ser completamente tocada por algo. Ali, vivi um pedaço de algo que me foi negado pelo
tempo, mas concedido pela arte. E eu espero que você, ao assistir essa grande obra, sinta
algo parecido.

Obrigada Festival In-Edit por trazer um pouco mais de cultura para o povo brasileiro.
¹Spoiler alert: nenhum animal se feriu durante o evento. Mas você tem que assistir para
ouvir duas belíssimas confissões mais de 50 anos depois que, de quebra, tem Frank Zappa envolvido.
-Bruna Medina
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