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Foto do escritorTroque o Disco

Titãs o Encontro

Titãs até parece uma banda da década de 1980 com formação clássica reunida no show 'Encontro' após 30 anos

Grupo enfatiza o rock punk dos álbuns 'Cabeça dinossauro' e 'Jesus não tem dentes no país dos banguelas' em roteiro que teve tributo a Erasmo Carlos e set acústico com filha de Marcelo Fromer.


Quando Paulo Miklos puxou Sonífera ilha (Branco Mello, Marcelo Fromer, Tony Bellotto, Carlos Barmack e Ciro Pessoa, 1984), no arremate do bis do show que reuniu a banda paulistana Titãs com a formação clássica dos anos 1980, pareceu mesmo que a vida era um festa como o próprio Miklos lembrou ao abrir o roteiro com Diversão (Nando Reis e Sérgio Britto, 1987).


A festa aconteceu na noite de ontem, 27 de abril, na Jeunesse Arena, palco da estreia nacional do show da turnê Titãs encontro – Todos ao mesmo tempo agora na cidade do Rio de Janeiro (RJ).


Banda enraizada na memória afetiva da infância ou adolescência da maior parte do público que lotou a arena carioca, tendo ao menos dois títulos fundamentais na discografia do rock brasileiro, Cabeça dinossauro (1986) e Jesus não tem dentes no país dos banguelas (1987), discos não por acaso dominantes no roteiro, os Titãs não faziam turnê com a formação clássica dos anos 1980 desde a saída de Arnaldo Antunes em 1992.



Trinta anos depois, as tramas do destino e do mercado reuniram Arnaldo, Branco Mello, Charles Gavin, Nando Reis, Paulo Miklos, Sérgio Britto e Tony Bellotto no mesmo palco. Somente Marcelo Fromer (1961 – 2001), por força desse mesmo destino, esteve representado somente em imagens no telão e através da figura graciosa de Alice Fromer, filha do guitarrista.


Convidada da banda, Alice cantou com leveza, no balanço do reggae, Toda cor(Marcelo Fromer, Ciro Pessoa e Carlos Barmark, 1984) e Não vou me adaptar(Arnaldo Antunes, 1985), músicas do bloco aberto pela banda com Epitáfio (2001), balada de Sérgio Britto, solista vocal do número iluminado com as luzes de celulares, acendidos a pedido do próprio Britto em iniciativa que gerou belo efeito cênico nas pistas, cadeiras e camarotes da arena. Ao fim do número, Britto ainda regeu a orquestra de palmas ritmadas da plateia.



Com Liminha (produtor de álbuns emblemáticos do grupo) agregado aos músicos no palco, com a missão de reproduzir as guitarras tocadas por Fromer, a banda fez um show até certo ponto previsível, mas nem por isso menos sedutor e com alguns momentos catárticos.


Acústicos no set das baladas e dos reggaes, mas também eletrificados pela energia do rock, os Titãs se alternaram nos vocais para apresentar um roteiro de hits que, alinhados ao longo de mais de duas horas de show, evidenciaram a qualidade do repertório autoral dos Titãs.


Os brados de Arnaldo Antunes em Lugar nenhum (Arnaldo Antunes, Charles Gavin, Marcelo Fromer, Sérgio Britto e Tony Belloto, 1987) se irmanaram com as convocações de Sérgio Britto em Desordem (Charles Gavin, Marcelo Fromer e Sérgio Britto, 1987) pelo pulso punk que ainda anima músicas que, como bem ressaltaria Nando Reis em número posterior, foram escritas há cerca de 35 anos, mas poderiam ter sido compostas ontem tamanha a atualidade das letras.


Recuperado de tumor retirado da laringe, Branco Mello celebrou a vida e o reencontro com amigos em fala emocionada que arrancou aplausos da plateia. A cirurgia na laringe deixou a voz de Branco com tom cavernoso que potencializou o efeito punk de músicas como Tô cansado (Branco Mello e Arnaldo Antunes, 1986) e Eu não sei fazer música(Arnaldo Antunes, Charles Gavin, Branco Mello, Marcelo Fromer, Nando Reis, Paulo Miklos, Sérgio Britto e Tony Bellotto, 1991), se ajustando ao espírito de banda que, afinal, parece hoje ser formada por homens das cavernas vindos de outras eras. Ou por dinossauros que simbolizam tempo já distante em que o rock dava as cartas para a juventude no papel atualmente desempenhado pelo rap compromissado e até mesmo pelo funk hedonista.



Reverberada por Nando Reis, autor da composição, a sagrada ira punk de Igreja(1986) soou muito bem para quem nunca pôs fé nas instituições religiosas. Na política, o esgoto de tempo ainda recente deu todo sentido a Bichos escrotos (Arnaldo Antunes, Nando Reis e Sérgio Britto, 1986), rock cantado por Paulo Miklos e balançado com o suingue do toque do baixo de Nando Reis no arremate do show, antes do bis, aberto com as vozes da dupla Mauro & Quitéria – extraídas do álbum Õ blésq blom (1989), último grande álbum dos Titãs com a formação clássica da banda – reverberando a introdução que antecedeu Miséria (Arnaldo Antunes, Paulo Miklos e Sérgio Britto, 1989) no show como na gravação original de 1989.


Em raro momento que se desviou do repertório dos anos 1980, a banda reverenciou Erasmo Carlos (1941 – 2022), pioneiro roqueiro do Brasil, com a lembrança da balada É preciso saber viver (Roberto Carlos e Erasmo Carlos, 1968), rebobinada pelos Titãs no álbum Volume dois (1998).


Comida (Arnaldo Antunes, Marcelo Frommer e Sergio Britto, 1987) foi uma das iguarias oferecidas pelos Titãs em banquete punk que ainda deixa engasgadas as instituições e a hipocrisia social que tentam abafar o Estado violência (Charles Gavin, 1986) do dia-a-dia no Brasil.


Com o peso do rock, os Titãs também socaram Cabeça dinossauro (Arnaldo Antunes, Branco Mello e Paulo Miklos, 1986) e deram Nome aos bois (Arnaldo Antunes, Marcelo Fromer, Nando Reis e Tony Bellotto, 1987) e Porrada (Arnaldo Antunes e Sérgio Britto, 1986) em show que enveredou pelo punk hardcore em Polícia (Tony Bellotto, 1986). Show que precisa de ajustes somente nas ligas entre as músicas. Os blackouts entre as músicas podem ser minimizados com o decorrer da turnê para chegar ao timing certo do show.

No mais, foi uma festa com todos ao mesmo tempo agora revitalizando um repertório que atravessa décadas sem perder a força. Reunidos no palco da Jeunesse Arena, os Titãs até pareceram uma banda dos anos 1980, década marcada pelo pulso forte e juvenil desse tal de roque en row.


Fonte: G1 Musica

Autor: Mauro Ferreira

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