Coldplay, talvez, seja um exemplo quase perfeito de "ame ou deixe muito longe - oito ou oitenta”. Banda que dominou por rédeas curtas os extremos da popularidade, divide opiniões simpáticas e ranzinzas entre fãs conservadores e os mais novos, torcedores de nariz, repulsivos antagonistas por natureza, questionadores, fanáticos, chatos, críticos muito experientes e ponderados de bar e , por fim, alguns pouco mais diplomáticos, compreensivos à carreira de um artista. Acredito que nós, conscientes da humildade, nos colocamos neste último balaio.
Sabemos bem o que acontece quando um artista perde o controle de sua própria ascensão midiática; polêmica, na certa. Quanto mais alcance se conquista, em lógica de matemática pura, mais resistência se encontra, mais crítica se coleciona e os julgamentos, com qualquer ou nenhum critério, bradarão numa constante. É natural, estatístico.
Não, não estamos falando de um reflexo comum à todos e quaisquer artistas em possibilidade. Por muito, em contramão ao que a maioria pensa, a popularidade pode melhorar consideravelmente a carreira de uma banda, fazendo ser viável o que está dentro do artista em seu imaginário. É a possibilidade de conceber determinada obra, tornar material determinada idéia, a figura da concepção virando realidade. Um exemplo disso, muito difícil de contestar, é o U2. A popularidade e expansão de recursos fez decolar a banda criativamente. Quanto mais alto voavam, mais se renovavam artisticamente, mais criavam e, por fim, se aprimoravam como banda. Recursos não compram talento, tampouco são impeditivos, mas facilitam demais o caminho. E com o Coldplay, foi assim? Aqui que mora a maior das polêmicas que circundam a banda. Eis o ponto que muita gente adora chegar.
Mas vamos com toda calma. Vamos respirar diante o frescor das folhas do início da banda, por hoje não transitaremos em maiores polêmicas. Hoje, particularmente, em especial, trazemos um disco que nós dois amamos de peito aberto, que muito nos marcou a vida. Álbum d virada do milênio, quando quatro promissores jovens britânicos acertaram um bocado de gente no estômago com Parachutes, estréia de apenas golpe, mais do que certeiro.
Parachutes, que é incrível, cativo àqueles que já nascem como clássicos, é refinado por si, personagem capaz de transformar um bocado quem é arrebatado por ele. Temos muitas memórias dos tempos da luta pela música e é sempre bom lembrar... Da juventude, descolando um dinheirinho amassado em troca de um disco que talvez, se demorássemos muito, poderia não mais estar na prateleira da loja e isso era desesperador. Lembramos do Winamp, da música trocada em fitas e CDs gravados e regravados, degustada em goles mais rasos, mas nunca em menor constância. É assunto de uma vida, é estilo de vida.
É sobre lembrar de uma época em que ter boa internet era uma paraíso. Em uma noite inteira, quem sabe, poderíamos conseguir baixar, já que estamos no assunto, Shiver, em boa qualidade. Na sede da madrugada, perto das três da manhã, motivados pela secura em ir dar um confere no download... e ele ostentar o auge de seus 14%, pomposo que só, numa marcha de arrastar. Enquanto o disco não tivesse nas lojas, esse era o calor, essa era a tensão e o sabor.
Parachutes começou a ser concebido no segundo semestre de 1999 e passou por estúdios como Rockfield, no País de Gales e o Parr Street, em Liverpool. A engenharia de som, contribuição de Michael Brauer, fez ponte de NY, EUA. Lançado oficialmente em julho de 2000, o disco foi produzido por Chris Allison, Ken Nelson, assinando, também, a própria banda.
A porta de entrada, Don’t Panic, é uma canção de atmosfera acústica, com bateria salteada aos bons temperos, acompanhada de guitarras elétricas expressivas e proeminentes. No que segue, Shiver, pode ser considerada o início do arrebate… uma baladassa, levemente saturada em guitarras, numa espécie de soft rock. Spies e Sparks são suaves e, de tempos em tempos, podem ser as do repeat do disco. Yellow e Trouble são fenomenais e consagrados clássicos da banda. Podemos dizer que essas duas canções foram os primeiros empurrões ao desponte. Parachutes, faixa título, carrega corpo de apenas 46 segundos e parece que irá explodir em algum momento, em alguma outra audição. O conjunto da obra, com High Speed e as remanescentes, é belo. A obra é admirável. É um disco sofisticado, bonito, que cheira uma juventude diferenciada, com algo interessante em dizer. É um disco completamente fora do mainstream se pensarmos em padrões. É o Coldplay em essência, no pulo de alguns sonhos de questionável alcance, talvez de pequenas ambições… apesar de isso não parecer lá muito evidente na grandiosa, maravilhosa e arrepiante Everything’s Not Lost, canção enorme demais para alguns jovens de pouca vivência saborearem o alcance… mas eles chegaram lá, eles atingiram o coração da canção... e de um bocado de gente.
O disco é um deleite em sua integralidade. A capa é maravilhosa, todo clima que o envolve é mágico e, apesar dos hits massivamente tocados por todos os cantos, o evento de uma audição do início ao fim continua sendo uma passagem livre para 20 anos atrás.
Muitos ouvintes sucumbiram ao som fervorosamente apaixonado do Coldplay pós-Britpop diante ambos os lados do Atlântico. Mais tarde, emplacando um segundo hit mundial, Trouble, cortesia em forma de elegante balada com molduras muito bem postas de piano. Parachutes começa, portanto, a figurar nas listas do Reino Unido e, ainda ao tempo de lançamento, chegou ao status platina oito vezes.
A banda, a partir da oportunidade no colo, só progrediu. O segundo disco, A Rush Blood to the Head, é pura inspiração, polido de brilhar. Nele, é incrível notar toda revolução de Jonny Buckland… definitivamente, um dos guitarristas mais expressivos da modernidade. Muito bebendo da fonte do The Edge, conseguiu delinear timbres de invejar qualquer um. Buckland é expressivo demais e, indubitavelmente, uma peça irretocável ao Rush Blood. Qualquer banda perderia o controle com dois discos desses, assim, consecutivos. É grande, grande demais o que está dentro desses dois registros. São harmonias lindas, riffs precisos, timbres afiados, letras de arrepiar, refrões de fazer nossa cabeça sua sala de casa. É, deveras, espantoso demais.
Não é sobre torcer o nariz. Seria sobre pegar ou largar? Talvez seja, no mais razoável bom senso, compreender e saber o que agrada ou não ao gosto pessoal, claro… mas, além, é sobre reconhecer discos que conferem continuidade ao fino da música. Coldplay, em sua conta, carrega discos eternos à música britânica… perdão, melhor dizendo, à música mundial.
- Gui Freitas e Gus Maia
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