Voz de uma geração, é sempre lembrado por manter a chama do Rock and Roll. O que será temos pra falar sobre os dois discos do Liam?
Após o trágico fim do Oasis em 2009, Liam Gallagher imediatamente fundou a Beady Eye, mantendo o time com todos os integrantes remanescentes da banda com o irmão, exceto o próprio, o xerife Noel Gallagher.
Liam trilhou um caminho interessante e lançou bons discos com a Beady Eye, mas talvez ainda lhe faltasse algo e o peso de não ter seu irmão do lado naqueles tempos culminou no fim da banda bem no meio de uma turnê, quase mesmo roteiro seguido pelo Oasis.
Nosso Our Kid enfrentou tempos difíceis com o fim da banda. Não aguentava mais, naquela altura, abrir shows para bandas que carregavam Oasis como ídolos supremos. No filme As It Was, toda essa fase é bem documentada, há muito sobre fim do Oasis, todas angústias dos piores momentos e, por fim, como num romance dramatizado, sua volta triunfal ao universo da música veio em boa hora.
Bonehead, ex guitarrista do Oasis, foi peça importante em toda recuperação de Liam, lhe tirando de uma casa exótica de campo, onde vivia se embriagando e jogando todo seu patrimônio no lixo. Além de todo desencontro no trabalho, Liam descobriu uma nova filha, fruto de um relacionamento antigo. As coisas começaram tomar melhores caminhos quando se entregou em um relacionamento com sua agente, Debbie Gwyther, mulher que o inspirou a renovar o foco em sua carreira musical. Diante toda essa tempestade, nasce seu primeiro disco solo, As You Were.
A idade suavizou o coração do rebelde Liam, mas não deixou sua atitude leviana. Com esse disco, o cara retomou a cena e os holofotes começaram a voltar para seu foco. A bravata ardente de ser um Gallagher alimenta sua estréia solo. É um disco com um Rock and Roll revigorante, curto, direto ao ponto, reafirma que a sede cessa com as mesmas fontes, principalmente sobre Lennon.
Seu debut é forte e convence, sua voz anasalada ainda se mantém marca registrada. Também aprendeu que tem que tratar de seu veículo de trabalho, ainda que com alguns deslizes em garantia. De suas referências, há uma combinação explosiva do escárnio de Johnny Rotten com o personagem melódico e arrogante de John Lennon. O disco traz uma atmosfera com muito crunch e riffs típicos do Britpop. Existem guitarras difusas, harmonias enérgicas, buzinas, palmas e até mesmo uma pegada Sgt. Pepper na faixa When I'm in Need.
Wall of Glass, que abre o disco, virou hit em um dia e carrega um video clipe cheio de atmosfera dos 90’s. A canção é executada com euforia em todos os seus shows.
O fim do Oasis, sem a menor dúvida, nos trouxe uma produtividade que, com toda certeza, passaria longe em paralelo à um Oasis em atividade. Temos Beady Eye e discos dos irmãos que são mais do que meios de matarmos saudade, são obras de extrema qualidade para a música mundial e foram periódicos para nós. Em curtos espaços de tempo, tivemos a oportunidade de sempre ter algo novo dos Gallagher pra ouvir. Independente da preferência que alguns gostam de suscitar pelos irmãos, seja sobre o carisma de Liam ou sobre a genialidade de Noel, é uma benção podermos ver Liam em ação no palco, com toda energia que gosta de transparecer e Noel a lançar discos e compactos constantemente, tentando se reinventar como músico, experimentando cada vez mais. Esse ritmo de produção e lançamento não seria uma realidade com o Oasis na ativa. Definitivamente.
Voltando ao primeiro disco do Liam, a faixa You Better Run pode até lembrar um pouco Gimme Shelter e Helter Skelter e, conseguindo nomear canções dos Beatles e dos Rolling Stones, não tem jeito, a vibe toda está ali, é da veia. Bold, escrita por Liam, começa como uma faixa de guitarra simples, do tipo três acordes e soa como um romance.
E Greedy Soul? Mais uma vez, puro Rock and Roll visceral.
Assim como muito do Oasis, voltamos a dizer, a receita Beatles e Lennon segue imutável, For What It's Worth é a prova disso.
Liam divide os créditos de composição com Greg Kurstin, que já trabalhou com nomes de peso, Adele e Beck são alguns exemplos.
As You Were se revela como um álbum para ser ouvido em várias ocasiões, tal como o seu título sugere. É um retrocesso ao som do Oasis, dos velhos tempos, enquanto liricamente parece oferecer uma visão de Liam um pouco mais independente da figura do irmão.
Em uma era onde as paradas são dominadas por sucessos Pop de gosto duvidoso, Liam Gallagher apareceu como oásis em um deserto musical, foi um dos assuntos mais comentados do ano e isso se firmou ainda mais com seu segundo disco.
Mesmo com a meia idade que bate em sua porta, As You Were oferece evidências convincentes de que ele está simplesmente seguindo o que faz de melhor, que é ser uma verdadeira estrela do Rock and Roll.
As You Were marca a grande volta de Liam Gallagher e embala tudo que ele passou a construir diante o primeiro lançamento. E agora? O que veio depois?
Why Me? Why not. Depois de toda surpresa e recepção mais do que positiva de sua estréia, o segundo disco de Liam já começa empoeirado e sujo como The Kinks. A receita do bolo precisa mudar quando já está perto da hora do café? Quem se entrega de coração, tem grande chance de convencer. Liam convence em seu segundo disco e eleva seu nome no formato da carreira solo. Shockwave abre caminho para o consagrar à promessa de uma carreira longa e frutífera.
No segue fluxo, One of Us carimba significante amadurecimento não somente ao aspecto da composição, mas, também, ao da produção. Cordas muito bem arranjadas e vocais sobrepostos sustentam uma canção que carrega um dos refrões mais poderosos dos dois discos e, quem sabe, do ano de seu lançamento, 2019, honrando marca que o Oasis sempre esbanjou, dos refrões.
É interessante o fato dos dois primeiros discos soarem coesos, com os devidos temperos ao momento, ao exemplo de Once, canção que revela algo de novo, por mais que sucinto, certo intimismo e alguns elementos levemente psicodélicos lá no fundo, tornando fácil mencionar, mais uma vez, as fases de 66/67 dos Beatles. Além de todo mérito de Once como canção, não podemos deixar de considerar, também, o maravilhoso clipe que lhe acompanha, com protagonismo do lendário Eric Cantona, grande figuraça de Marseille.
Outro ponto que também chama atenção neste segundo disco é a sonoridade mesclada. Toda intenção e referência vintage, das clássicas e insistentes referências dão, ao mesmo tempo, lugar à uma sonoridade moderna. O disco carrega timbres e dinâmicas bem modernas. Podemos notar disso ao longo dos dois discos, mas se acentua ainda mais na dobradinha Now That I’ve Found You e Halo. Esse flerte é bem vindo. Não soa artificial e torna tudo mais real. Estamos falando de um disco de 2019.
A faixa título, em sequência, sugere muita entrega vocal. Ela é fuzzy e arrastada como Lennon nos 70’s. No refrão ela se abre como cortinas em manhãs de céu aberto. Talvez seja uma predileção, principalmente por carregar título do álbum. Talvez seja apenas o título que soe melhor, independente da aposta ou palpite, ela tem plenas condições de marcar, de chamar atenção e, mais uma vez, as cordas caem bem, interessantes por um pouco mais tortas e contundentes.
Be Still faz boa ponte pra manter a surpresa de Alright Now, canção mais ousada em produção de todo disco. De som aveludado, a intenção é primorosa, talvez mais uma das grandes surpresas de Liam em carreira solo.
Meadow é como água prestes a ferver e The River volta o diálogo direto para com primeiro disco. Gone é o pedacinho dos EUA como referência de som, timbre e estética no geral. O caminho final, trilhado por Invisible Sun, Misunderstood e Glimmer solidificam o disco na versão deluxe. Liam conseguiu.
Diante essas observações de faixa-a-faixa da versão mais extensa, é mais do que notória nossa satisfação com a carreira solo do Liam. Somos fãs absolutos e sempre estaremos na torcida por cada vez mais volume de trabalho.
Why Me? Why Not. sugere um passo cauteloso de Liam Gallagher. É notório o zelo pelo desafio. O disco foi produzido por quatro nomes; Greg Kurstin, Andrew Wyatt, Simon Aldred e Adam Noble. É bom quando sentimos desse zelo.
Para não nos alongarmos tanto mais, gostaríamos apenas de finalizar lembrando que, recentemente, saiu o MTV Unplugged ao vivo em Hull City, com repertório que abarca os dois registros solo de Liam e alguns clássicos do Oasis. Os arranjos são demais e Liam está em ótima forma. A recepção tem sido muito positiva e, ainda bem, temos nossos Gallagher em total ação e entrega.
Salve, Salve!
- Gui Freitas e Gus Maia
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