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Foto do escritorTroque o Disco

Carta ao Tranquility. Parte Um.





Depois de um breve preâmbulo sobre este registro em nossa página do Instagram, eis a primeira parte do meu mais particular e profundo depoimento sobre um disco que, talvez, desponte ainda mais entre os discos da minha vida, cada dia que passa, à cada novo parágrafo do que conheço por passar do tempo e circunstância. Nem sempre dá pra transpor em palavras tudo que atingimos com um determinada obra, mas tentarei, com o coração aberto. Escrevo, portanto, muito francamente sobre o que é viver na companhia de um disco que guardei no fundo da alma, é um depoimento extremamente pessoal, aos sabores da construção dessa relação.


E por qual motivo o Tranquility? Vamos por partes e esta é a primeira deste depoimento que será subdividido em três. Hoje trago foco para o início de tudo, aquelas primeiras semanas, o flerte inicial, o início de toda movimentação e qualquer gesto do caminho recente ao seu tempo.


Parece que foi ontem que recebi do baterista da minha banda, menino Thales, pouco antes de um de nossos ensaios, um arquivo comprimido contendo o disco inteiro vazado. Cronologicamente, era uma semana antes do lançamento oficial, lá pelos idos do início de maio de 2018 e o passar do tempo, oportuno dizer, continua assombrando.

Fui nocauteado pelo Tranquility Base em poucos instantes. Considerando os primeiros dias, ainda com essa versão vazada, lembro de, numa noite de exageros com os amigos, levantar e ir sozinho pro meu carro ouvir uma música específica que não me saía da cabeça. Esta canção se chama One Point Perspective que, na versão vazada, carecia desse brilhante título em meu conhecimento. Aos efeitos daquela noite eu chorei, sozinho, dentro do carro, ao som da tal One Point Perspective. Coloquei mais uma vez pra rolar e chorei novamente. Depois de alguns minutos, sai do carro e voltei ao encontro dos meus amigos e, ainda sem ter a letra inteiramente decorada, sem digerir direito todo efeito que me causou, os versos “such beautiful photography, it’s worth it for the opening scene, i’ve drivin’round listening to the score” não saíram da minha cabeça... não tão somente naquele resto de noite, mas por dias, muitos dias depois. Eu não ouvia mais nada naquela noite, mesmo de volta à mesa com todo mundo. Eu só ouvia esse trecho se repetindo várias vezes no centro de minha consciência. Isso não parava de ecoar na minha cabeça. Naquela noite, não havia mais som externo.


Carrego o Score dos versos como, de fato, um placar luminoso em um céu de poucas estrelas. O sentimento de apreensão em ouvir o resultado de um placar. O que é mais louco do que um placar? O que é tão profundamente intenso como o drama de um placar? O que somos capazes de fazer para alterar um placar? O que acontece quando, de fato, conseguimos alterar o placar? O que acontece quando não conseguimos alcançar o placar, nem que seja, ao empate? Por qual motivo somos motivados a querer sempre olhar o placar? Qual placar? Qual analogia podemos fazer para com os placares de nossos feitos em vida? Quais importam? Ali eu via um drama doloroso e, arrebatado por esses versos, o resto do disco apenas foi me engolindo, me mastigando lentamente, como se ostentasse vida própria e uma personalidade complexa, consanguínea à minha.

Eu vivi uma das fases mais conturbadas da minha vida, justamente, no período de lançamento do Tranquility Base Hotel & Casino. Uma época sofrida, realmente dolorosa. Eu estava quebrado por dentro, completamente perdido. Completamente. Eu magoei pessoas especiais da minha vida, eu estava mudando de esteira no escuro, flutuando sem controle e precisava me encontrar, urgente. Realmente foi foda. Foi foda pra caralho. Me dói lembrar. Eu encontrei o muro e parecia que ele me esperava, não sei explicar.

No meio do furacão, encarando os olhos da tempestade, rolou meu encontro com este disco. O Tranquility não me foi mais uma das tantas decepções da vida moderna, muito pelo contrário, é algum dos poucos milagres da vida moderna, principalmente para quem lhe deu ouvidos e entregou sentimento. Esse disco nunca mereceu essa geração.


Tranquility Base é um disco com requintes de extrema inspiração, quadrado à maioria dos ouvidos e que carrega um conceito absolutamente grandioso. Num primeiro e último momento, noto que é exatamente isso que lhe veste em síntese.

Todo conceito retrofuturista, suas analogias e todas suas questões foram capazes de me enrolar numa longa corda dada aos nós, álbum que conversa com meu interior como um velho amigo que sabe de todas minhas virtudes e defeitos, mesmo que de longe e com os olhos fechados.


O mais gratificante, para mim, é notar que muitas pessoas, que foram até próximas, nunca entenderiam minha ligação com esse disco e com o universo que compartilhamos. Se me serve oportunidade, comprovo sinal pleno de que nunca me entenderam. Por qual motivo é gratificante? Isso apenas afirma uma identidade extremamente intricada, complexa, verdadeira? Talvez. Simplesmente me orgulho.


Não há limites para o lugar que habito e costumo reconstruir quando é preciso, esta talvez seja a grande ironia da minha vida. Posso perder tudo, mas nunca o sentimento de ser avesso aos outros. Tudo que faço em vida é coerente à sua brevidade ou, pelo menos, espero muito que seja. Por algum motivo, o Tranquility grita isso, sou empático, compartilho.

O que me separa da massa, de todo o resto, é, justamente, o meu filtro da existência, minha experiência pessoal que, por muito, foi difícil de lidar. O que faz o ordinário mundo das pessoas ter alguma graça diante das suas vidas que, se automáticas, carecem de tudo à ilusão das posses de uma afirmação social? Você realmente vê algo de especial na sua rotina além dos seus pensamentos positivos? Quanto o seu pensamento positivo já lhe custou? O que na figura do presente ele já sacrificou? Além de acreditar fielmente que é isso que tem que fazer? É sobre encontrar a felicidade e a verdade numa consulta particular? O que é reprovável aos outros seria resultado exato daquilo que realmente é, que também lhe serve? Até onde isso importa? Até onde importa, até mesmo, aos outros? O julgamento alheio dura exatamente o necessário ao nosso inconveniente por conveniência do outro? O tempo que você ficará pra baixo, certamente, é mais longo que o argumento que lhe julga, geralmente amparado às razões rasas. Lugares comuns, vidas comuns, conceitos comuns, números de expressividade de massa. A vida através da tela de um celular, toda distância dos que estão realmente perto em sintonia em detrimento ao número excessivo e vazio de conexões breves, sem valor, inócuas, simultâneas, o milagre da existência numa troca barata pela maldição da vida moderna. Eu não quero nunca fazer parte disso. Nunca fiz. Nunca farei. A graça da minha vida está na magia da compreensão de uma minoria quase que inexpressiva que, quando me esbarro, reconheço. Do pouco que é preciso para me alimentar orgulho sobre o que sou, me basta. Sou um outsider e não vejo problemas nisso e, apesar da minha dor quando bate, até me orgulho. A vida é uma coisa engraçada, não é mesmo?

Búzios, litoral do Rio de Janeiro, é um lugar muito especial pra mim. Um lugar de conexão plena, um laço bem dado do espaço-tempo na minha existência, uma fenda de magia com caminhos de pedra e mar. E sim, é como perder a linha de pensamento. É como um ponto de percepção digno de Kubrick. Me isolei em Búzios ao som do Tranquility, meses depois do lançamento. Fiquei uma semana ouvindo esse disco no repeat, nos fones de ouvido, completamente sozinho. Andando pelas ruas, altas e baixas, pelas praias, bebendo nos bares, bebendo no café da manhã e no jantar, na luta contra a chuva e vento, no conforto da sombra quando o sol aparecia, nos fins de tarde que sempre me deslumbravam. Era somente eu e a Tranqulity Base. Foi uma experiência que não vivi com nenhum outro disco. Eu busquei essa experiência e, finalmente, encontrei o sentido que me cabe. Pra ser honesto, não indico pra ninguém. Tudo se complica demais. É melhor ter uma vidinha normal.

Lembro de estar na praia de João Fernandinho quando o sino do Tranquility soou definitivo. Era o quarto dia de imersão. Como uma chave de ON/OFF, tudo mudou. Que loucura. É inexplicável e o que estou fazendo aqui, neste depoimento, embora talhado nas melhores das intenções, é irrisório. É inexplicável. Mas ali eu compreendi um pouco mais, principalmente, sobre a minha existência, sobre o que me cerca, sobre um roteiro que, ao longo do tempo, naturalmente, irei continuar buscando compreender, construir, viver, aprimorar.


Desde então, nunca tirei minha cadeira da Tranquility Base.


Em breve eu volto, há muito mais para dizer, só preciso retomar a linha do pensamento.

Num segundo momento, trarei sobre o que cada faixa se tornou com o passar do tempo.


Mas eu penso em uma coisa... qual é a sua relação com a ficção científica?


- Gus Maia




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