De maio de 2003, Ventura é disco essencial à música brasileira, fôlego mais do que necessário ao cenário nacional daqueles idos. Banda que em primeiros passos carregava miscelânea curiosa de referências, inclusive de Hardcore/SKA, algo que, hoje, pode soar inimaginável considerando o quadro que se desenhou na tela dos Los Hemanos, principalmente após esse terceiro disco, que marca o meio do caminho da discografia e é, evidentemente, o divisor de águas da banda, selando maturidade sonora e aprimoramento à poética das letras.
Os ventos do Ventura começaram a soprar entre 2002 e 2003, quando a banda se entregou em uma nova experiência num sítio de Petrópolis, Rio de Janeiro. Fazendo justiça aos novos ares e ao silêncio, o quarteto chegou mais perto do coração, da serenidade e da superação criativa. O reflexo do Ventura é inestimável.
O disco nos entrega 15 excelentes faixas em seus 51 minutos e 37 segundos. Apesar de soar majoritariamente numa estrutura de Rock, o álbum traz da alquimia da banda, que lhe tempera com samba, MPB, Pop e tudo mais que alguém possa, com empenho, buscar rotular. É um disco completamente emocionante e sensível, rico em dinâmicas, passe cheio para outro patamar, alguns degraus de distância aos dois que lhe antecederam.
Álbum que abre com um delicioso samba, muito do peculiar, inovador e, em seguida, rasga com O Vencedor, enérgica, criativa, carregada de votos de coragem. O Último Romance segue o baile para chamarmos de um hino ao amor. Cara Estranho faz bom par com O Vencedor. Conversa de Botas Batidas, como muitos já sabem, foi motivada por uma linda e dramática história, aquela do prédio Linda Rosário, que desabou em cima de um casal, no Centro do Rio. Além Do Que Se Vê, Um Par e Deixa o Verão são outras faixas que conferem ao Ventura todo mérito que lhe cabe.
Um dado curioso sobre o lançamento do Ventura é que, quando já estava pronto para ser entregue, a gravadora Abril Music abriu falência, em 2002. Naturalmente surgiram novas ofertas, afinal, Los Hermanos já tinha entregue dois outros poderosos e populares discos. Por fim, a banda lançou pela BMG.
Com fãs apaixonados por todos os cantos do país e com um disco tão importante, o Los Hermanos, por vezes, retoma alguns shows e carimba clássicos no set.
Tivemos a sorte de conferir a banda ao vivo por algumas ocasiões, como shows na Fundição Progresso, Marina da Glória, além, claro, da enorme apresentação no Maracanã e do Rodrigo Amarante no Parque Lage. Em todas as oportunidades foram naturalmente carismáticos e enérgicos.
Voltando ao Ventura, o disco, como já sugerimos, não marca apenas pelos hits, tampouco pela popularidade. Há marcas ainda maiores, talvez pessoais. É sempre muito difícil assumirmos o risco sobre palpites quando olhamos uma obra. Como gostamos de sempre dizer, não somos críticos musicais, falamos apenas sobre o que nos emociona. Gostamos de falar de música, como falamos de futebol, cinema, literatura. O papel da crítica é cruel demais e não queremos nunca nos inserir nele. A arte é totalmente subjetiva, não cabe julgamento. Ao olharmos o Ventura, com o risco do palpite, talvez apostaríamos em dizer que foi o auge da banda. Não seria difícil ouvir da própria banda que é o disco que mais lhes enchem aos olhos. O Ventura é o desenho perfeito do meio do caminho da discografia da banda, é cama perfeita ao corpo do 4, último disco, que esbanja reflexão, intimismo e serenidade.
Como em carreira de uma grande banda, os discos do Los Hermanos assumem identidades muito fortes, totalmente independentes uns aos outros, possuem voz própria. Cada disco busca superar o anterior, sem claro, desmerecer, tornar obsoleto, mas seguindo constante evolução, todo o caminho em ascendente evolução da banda é incontestável. A soma das influências da banda é envolvente. Podemos notar a paixão pela história do Rio de Janeiro, principalmente na expressa referência ao Bloco do Eu Sozinho, menção à lembrança de Julio Silva, do carnaval carioca de 1919. Podemos notar Rodrigo Amarante e Marcelo Camelo fincados em apuradas bases culturais, numa construção cheia de literatura, cinema e referências sem fim. A base do Los Hermanos vai além e seria incrível saber mais dessas camadas, do processo criativo.
Os Los Hermanos se tornaram um potência em popularidade e viram, como banda, algo muito grande lhes acontecer.
- Gui Freitas e Gus Maia
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