Produzido por Daniel Lanois e Brian Eno, o apoteótico Achtung Baby é o sétimo disco de estúdio do U2. Lançado em novembro de 1991, pela Island Records, o álbum é, definitivamente, um divisor de águas.
Um dos grandes méritos de uma banda está na inquietude da busca por novos sons e conceitos, em suas capacidades re-inventivas. Costumo dizer que as bandas que se reconstroem artisticamente de tempos em tempos são as que, geralmente, mais me enchem os olhos. Achtung Baby não foi uma espécie de divisor crucial para a banda tão somente pela perspectiva de sua produção e lançamento, mas, também, por marcar nova constante para banda, principalmente se nos agarrarmos à uma ótica de perspectiva horizontal.
Num panorama de desconforto em fazer mais do mesmo, depois do sexto trabalho de estúdio, a banda irlandesa reparou urgir necessidade de drástica mudança e, com Achtung Baby, toda sonoridade e temática do U2 passa por severas mutações. Deste novo fôlego, nasce uma mistura peculiar que passou a ser particular da banda nos anos seguintes, envolvendo tudo que a banda sempre fez, mas em flerte profundo com elementos eletrônicos e de música industrial. Toda dinâmica do processo criativo se altera, surgem novos caminhos e timbres para os riffs de guitarra, a estrutura harmônica adentra novos rumos e o som da banda toma forma totalmente nova em dinâmica. Poucas bandas conseguiram convencer e mudar tanto entre um disco e outro de forma tão sólida.
Naturalmente, diante toda essa mudança tão agressiva, todo o processo criativo foi marcado por tensões e atritos, afinal, tudo era incerto demais até o lançamento e o caminho era completamente desconhecido. O cenário era como o de uma criança perdida numa floresta, em noite de céu sem estrelas. Por todo caminho, a banda deve ter sofrido consideravelmente em busca do encontro, depositar confiança em uma nova fórmula nunca é fácil, é processo traumático.
O disco começa a nascer, praticamente, junto com a queda do Muro de Berlim e da reunificação alemã. Buscando ou não inspiração por ares alemães, a banda começou a produzir o Achtung Baby no Hansa Studios, Berlim, na segunda parte de 1990. Por fim, a banda concluiu todas gravações e produção na Irlanda, Dublin, em 1991.
Com toda ascensão do movimento Madchester e perante toda necessidade de uma mudança estrutural ao som da banda, Bono e The Edge sentiram que era preciso maior ativismo por parte de Lanois e Brian Eno. Era ambicioso o que o U2 buscava em Achtung Baby.
Toda mudança que estava rolando tinha que carregar inúmeros significados, talvez até mesmo que de forma intransigente.
A banda tinha decidido sobre qual ponto chegar, por mais que o caminho não fosse tão claro ao objetivo. Toda contribuição de Lanois e Eno era de total e complexa importância.
Uma das grandes características de Achtung Baby está numa espécie de aspecto sombrio. O disco, embora misto de sentimentos e mensagens emborcadas diante das mais variadas subjetividades, sempre foi muito lembrado por seu ar introspectivo. Muito provavelmente, o início da produção em Berlim foi fator determinante para toda essa atmosfera. Como já dito anteriormente, o momento nutria uma carga absurda de tensão com a reunificação na antiga Berlim Oriental. A queda do Muro de Berlim representou o fim da Guerra Fria e de todas suas disputas ideológicas, econômicas e militares. O período era turbulento não somente para banda, mas para toda a Europa e a “Nova Europa” nos mais variados pontos de vista. Para complementar toda tensão, uma curiosidade interessante é que o U2 começou a gravar o disco num antigo salão da Schutzstaffel, SS, organização nazista.
O caminho para um consenso foi, realmente, longo. A banda somente começou a ficar confortável em avançado estágio de produção e gravação em Dublin. Adam Clayton e Larry Mullen demoraram para abraçar com satisfação o novo som que pelas paredes dos estúdios ecoava. Além de todos desencontros internos, fatores externos diretos também assombraram a banda… as fitas gravadas em Berlim foram roubadas e vazadas como Bootlegs (Salome Berlin Sessions), abalando, por ainda mais, todo percurso.
No final das contas, apesar do Achtung Baby por diversas vezes ter sido considerado um desastre total em seus bastidores, conseguiu encontrar uma produção completamente sofisticada em dado momento. As músicas soberbas em caráter experimental nasceram através de turbulentas jam-sessions e o incrível resultado final chocou demais.
Se considerarmos ouvir toda discografia do U2 por ordem de lançamento, em algum momento iremos tomar um susto. Posso apostar que esse momento será, exatamente, nos segundos iniciais de Zoo Station, faixa que abre o incrível Achtung Baby. Particularmente, é onde encontro o auge da banda, o início de uma era grandiosa, a mágica fluindo. Achtung Baby é o grande divisor de águas da banda, é a ponta da lança. O que veio depois do Achtung Baby se renovou através dele e a banda nunca mais foi a mesma. O disco é absolutamente incrível, do início ao fim. Como um processo tão traumático pode ter um efeito tão positivo? Se pensarmos bem, nada mais natural do que todo trauma. Toda boa construção carrega boas doses de sacrifício e dor. Questão complexa, tudo muito louco.
Achtung Baby tem a capacidade de me transportar para universos muito distantes. De minha vida, sem a menor dúvida, é um dos discos mais importantes. Quando eu era criança, meu irmão mais velho e um grande amigo nosso, Aléssio, ouviam esse disco quase que diariamente. Lembro do som das cassetes pela casa e no carro, tenho cristalina lembrança da letra do meu irmão em tinta preta, gravada numa fitinha, trazendo os títulos daquelas 12 mágicas faixas.
Nunca enjoei de olhar aquela capa incrível feita por Steve Averill e Shaughn McGrath, de contemplar o LP e todas as páginas do volumoso encarte da versão em CD. Esse disco corre por minhas veias de uma forma indescritível. É especial demais, foi um dos primeiros discos que comprei na minha vida, ainda criança. É uma das primeiras memórias e sensações que carrego em minha vida. Quando comecei a sentir a experiência do mundo, Achtung Baby estava (e sempre esteve) muito presente.
O Achtung Baby foi a peça que faltava ao quebra-cabeça da discografia da banda. Aos que que puderem experimentar ou revisitar toda magia desse incrível disco, a investida vale mais do que demais.
Tirei esse discasso para ser, mais uma vez, o disco da semana.
Até Breve!
- Gus Maia
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