Da gema de Los Angeles, com berço artístico, Beck é um artista extremamente produtivo e solidário à música. Tendo como cerne de sua formação musical o Folk e o Blues, sempre se atentou à cena de Los Angeles dos 60’s/70’s. No entanto, a onda do Beck, se o universo trocadilho faz, vem da mistura, das colagens, do Antifolk e do Hip Hop, tintas coloridas aos pincéis desse músico mais do que especial.
Com toda certeza, iremos voltar a falar outras vezes sobre o brilhantismo desse artista que tanto notamos, naturalmente esgotaremos sua discografia pela Troque O Disco, esse é o plano. Dessa consistente e peculiar coleção de discos, hoje trazemos duas pérolas; Morning Phase, de 2014 e Odelay, clássico de 1996.
No verão de 2013, Beck volta ao estúdio para trabalhar naquilo que se tornaria o Morning Phase, tendo como coadjuvantes alguns elementos do universo Sea Change, de 2002. Cabe lembrar que no outono anterior, depois de terminar seu longo vínculo com a Geffen, mais ou menos pelos idos do Modern Guilt, Beck assina com a Capitol Records.
Talvez Morning Phase seja irmão mais novo do Sea Change. A sonoridade, as camadas e a profundidade deles, inevitavelmente, se resgatam. Por mais que o cara tenha passado alguns anos de sua carreira andando por aí, mergulhando os dedos dos pés em algumas poças barrentas, com esse disco, o vemos entregue ao momento.
A boa fase não está somente no registro em estudio, o Morning Phase proporcionou uma série de apresentações ao vivo e participação em festivais expressivos, o Union Chapel de Londres e até mesmo o clássico Newport Folk Festival entraram pra conta.
O disco saiu em 21 de fevereiro de 2014 e com o toque da canção Blue Moon, a resposta foi imediata. Todo uso de cordas profundamente dramáticas e vozes expressivamente reverberadas ajudam no clima. Cycle abre o disco de forma serena, como se esboçasse um breve amanhecer sonoro, de vibrações leves. Os acordes suaves em cascata de Morning faz recordar algo de All Things Must Pass, de George Harrison. Talvez o disco acabe por carregar algum certo tipo de clima de resignação, desses que o ex-Beatle, por vezes, levava.
Mikael Wood escreveu ao Los Angeles Times à época; “Morning Phase serve como uma espécie de sequela espiritual - uma peça companheira para o Sea Change de 2002, no qual o cantor rompeu com sua estética de colagem estabelecida para oferecer uma dúzia de canções folclóricas lentas e baixas sobre a dor da mágoa. Fiel à natureza de seu transformador, a sequência é melhor que a original”.
O disco estreou na Billboard 200 no 3º lugar, marcando o segundo pico mais alto de sua carreira. Foi um dos dez melhores álbuns do Reino Unido, Holanda, Austrália, Nova Zelândia e muito além. Quando rolou o 57º Grammy Awards, em fevereiro de 2015, seu impacto se tornou ainda mais tangível. Nomeado para cinco prêmios, o disco ganhou três, entre eles, o de melhor disco do ano.
Por mais que tenham semelhanças sonoras e a comparação do Morning Phase seja excessiva ao Sea Change, é visível que o disco de 2014 traz o elemento do amadurecimento. De fato, ele é construído por uma alma mais sábia, que parece estar descobrindo exatamente onde ele quer estar.
Logo após o sucesso de Morning Phase, o single Dreams chegou em 2015 e nos deixou uma prévia à época de qual seria sua próxima fase.
Em segue-fluxo, voltemos à 1996, ano do icônico Odelay, disco produzido pelos Dust Brothers. Já falamos algumas vezes por aqui de nosso encanto perante os 90’s e toda sua estética. Odelay, incontestavelmente, é traço forte à tela dos 90’s. De sonoridade moderna, alegoricamente traduzida pelo encontro do Antifolk com o Hip Hop, o disco marca uma geração e emerge sem semelhantes, é filho único.
Por qual motivo Odelay é filho único diante toda revolução dos 90’s? Odelay traz uma espécie sonoridade bizarra-que-soa-muito—bem-ou-algo-do-tipo, é difícil traduzir. O disco assina o som do Beck, com suas famosas colagens. O disco é dado aos samples desconexos, como, por exemplo, de Desafinado, por João Gilberto.
É como um quarto desarrumado, mas se o arrumarmos, não encontramos mais nada, perdendo as coisas da bússola da bagunça. As camadas malucas, os entulhos, os recortes, as colagens, o material borrado, a confusão e toda poeira são inseparáveis. Odelay é isso, justamente essa confusão.
Os 90’s foram os tempos de maior uso de samples, principalmente no Hip Hop, são incontáveis exemplos. No entanto, nada era tão passivamente-caótico quanto o som do Beck. É uma bagunça extremamente harmoniosa. O desarrumado que não incomoda, que chega a ser bom, que acolhe e, diante tudo, é coeso.
Como muitos afirmam e, justamente, acho que é muito difícil afastar essa realidade, Odelay nasceu como um clássico. Não sei por quantas vezes Odelay é citado nas mais diversas produções. Odelay é referência coringa, viva, dançante e sedutora à criatividade. Pelas colagens de Odelay, inúmeros mosaicos brindam e se confrontam elegantes.
Como é maravilhoso flutuar pelas frequências desconcertantes e inrotuláveis de Odelay e saber que, por qualquer momento, podemos deitar ao suave algodão do Morning Phase.
Beck é um artista completo. Sua discografia afirma, sem falsas modéstias, plena capacidade camaleônica.
Nos despedimos por aqui, com vontade de muito mais dizer e, de carona ao bom ensejo, no último dia 8 de julho, que marcou o aniversário de 50 anos do artista, foi lançado em todas as plataformas digitais um remix de No Distraction, do disco Colors. Beck já ultrapassa mais de 25 anos de carreira e não temos a menor dúvida de que muito mais está por vir.
Somos, em absoluto, fãs desse cara!
Até já!
-Gui Freitas e Gus Maia
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