Hoje pela manhã, mais precisamente por volta das oito horas, resolvi colocar o Nevermind pra rolar, naquela edição Super Deluxe, que conta com 4 discos, lotados de b-sides, demos (incluindo a pré no Smart) e performances ao vivo.
Definitivamente, Nirvana é ímpar, buraco mais em baixo. Você, leitor, já parou pra pensar sobre o que o Nirvana significou para o mundo, para os 90’s e tudo aquilo que veio depois? Pois é, muito provavelmente sim, mas, ainda assim, talvez seja uma reflexão interminável, inquietante demais aos que não querem perder a consciência por horas a fio.
Naturalmente, já ouviram falar sobre a maldição do segundo disco que assombra todos artistas, certo? Nevermind foi o segundo disco e, talvez, toda essa maldição tenha mirado e acertado, exclusivamente, pessoa do Cobain, em cheio, principalmente se nos agarrarmos à ótica do Nevermind como glória absoluta para banda, consagrando o Nirvana como nome indispensável de seu tempo. Hoje, em 2020, notamos que o Nirvana veio ao mundo para seguir até o fim, é atemporal. A banda não foi fenômeno de popularidade apenas nos 90’s, segue angariando massas de público até hoje, fãs que transitam pelas mais diversas tribos. Todos os gêneros respeitam e se influenciam perante Nirvana, sejam bandas Pop, Grunge, Punk, Indie Rock, Metal, Alternative Rock, Pós Punk, Britpop… enfim, a lista de rótulos é longa demais.
A questão é que tudo isso incomodou profundamente Kurt Cobain. Definitivamente, este assunto, que é polêmico, merece uma outra oportunidade aqui pela Troque O Disco e voltaremos nele em futuro breve. Hoje o foco mora no Nevermind.
Produzido pelo genial Butch Vig, Nevermind, lançado pela DGC Records, veio ao mundo em setembro de 1991, sem nenhuma expectativa de grande alcance, sem a menor pretensão, nem de longe, de figurar qualquer lista de hits… no entanto, sabemos muito bem como se desenrolou todo o resto da história.
Anteriormente, em 1989, a banda trouxe Bleach, lançado pela Sub Pop. Apesar do próprio Kurt considerar o disco um monte de lixo acumulado em um só lugar, como costumava dizer, Bleach tinha fôlego e conquistou toda cena, se revelando como um álbum mais que suficiente pra caminhar sozinho e, definitivamente, foi exatamente o que aconteceu. Embora a banda não tenha se motivado pelo primeiro álbum, em total paralelo, ali estava, materialmente, uma promessa absoluta que foi consagrada, portanto, em Nevermind, disco de sequência.
Podemos considerar que o Nevermind nasceu no Smart, estúdio do Vig em Madison, Wisconsin. Kurt buscava uma sonoridade totalmente diferente do primeiro disco, que, afinal, pouco lhe enchia os olhos. As influências que Cobain trazia para o processo criativo sempre foram muito ricas, das mais variadas. Se faz justo ponderar que o cardápio de todo gênio costuma ser variado. Com Cobain, não foi diferente e nomes como REM, Mutantes, Meat Puppets, Melvins, Beatles, João Gilberto, The Smithereens, Velvet Underground, Sonic Youth, Pixies e, principalmente, Teenage Fanclub (banda que Kurt afirmava ser a melhor de todo planeta), são figurinhas mais do que carimbadas.
O Nevermind foi gravado no lendário Sound City Studios, em Los Angeles, California. O material, muito direto ao ponto, foi gravado com total celeridade, entre maio e junho de 1991. A sonoridade, apesar de conter uma considerável carga de sujeira, soa bem definida e inovadora, balanceando muito bem todos elementos “mais harmônicos”, maçã dos olhos de toda intenção de Kurt, sem perder todo peso que mora no DNA da banda. O disco não tem segredos, é cru, soa como banda de garagem, das que tocam bem alto, mas sustenta requinte, algo excepcionalmente novo, mágico, extremamente difícil de por em palavra ou conceito.
As sessões que permearam o disco carregam todo espírito "ao vivo”, indubitavelmente. Poucos takes foram necessários para estruturar o Nevermind, a banda estava muito bem ensaiada, precisamente talhada em suas intenções, encarando o processo com total praticidade. Os arranjos eram finalizados em pré produção, quase no limite da gravação definitiva e muitas letras vieram por último, perto do ponto final. Como era de costume, Kurt sempre cuidava da harmonização primeiro, depois a letra. Sempre considerou a harmonia elemento mais importante do que a letra. O que funcionava se mantinha e o que não rolava, imediatamente era descartado, tudo era muito breve e natural.
Kurt tinha um método prático demais para gravar e compor, no entanto, era intransigente diante toda sua praticidade. Cobain era avesso às dobras vocais e múltiplos takes. Para conseguir convencer Kurt em fazer algumas dobras vocais, Vig teve que lhe persuadir com o poderoso argumento; “John Lennon fazia isso” que, por fim, lhe convenceu.
Com processo criativo muito fluido, de produção visceral, convincente, o Nevermind cresceu na história, também, de forma muito natural. O disco nasceu grande. Tudo foi feito da forma como Kurt planejou, exatamente como ele quis, sem o combustível adulterado da pretensão, do sucesso comercial. Toda mix, que foi um grande obstáculo, não agradou diante muitas alternativas e tentativas. No entanto, foi bem cuidada, por Andy Wallace, também escolhido pela ponta do dedo de Kurt.
Nevermind embalou a vida de muita gente de forma intensa, é incontestável. Particularmente, foi o primeiro disco que mergulhei profundamente, ainda muito novo, por influência do meu irmão mais velho. Fui uma criança que cantarolava Lithium pelos cantos da casa, enquanto ainda dava os primeiros passos no português, minha língua natal. Até hoje e, naturalmente até o fim dos tempos, vai ser um disco de total referência em minha vida.
Álbum que nos seduz pelo todo, desde a capa de Robert Fisher, eternizada pela foto de Kirk Weddie, por todos os power chords de Kurt e toda sua entrega vocal, pelo suporte de Chris Novoselic no baixo e Dave Grohl na bateria, pelo seguro norte de Butch Vig, traçado na produção, pela mix e master de Andy Wallace e Howie Weinberg, respectivamente, por toda sua energia, pela magia sonora e toda atmosfera das salas do Sound City, por tudo! Nevermind é definitivo para música, acontecimento raro. É mais do que definitivo.
Em suas canções, Nevermind se apresenta quase como se coletânea fosse. Não me cabe indicar a primeira, quarta ou sexta faixa. O disco é conciso, consistente pelo todo que compõe. É uma pancada do início ao fim e merece, sempre, ser revisitado por inteiro, em sua ordem, seguindo a, já ignorada por tantos, idéia do disco como conceito.
Nevermind, como dito em todo e qualquer meio de comunicação musical, definiu a sonoridade dos 90’s e de tudo aquilo que viria depois. A receita do disco, com alguns power chords, aquele som de guitarra que transita entre riffs pegajosos carregados de chorus e veementes distorções, somando refrões poderosos e muita verdade, acabou por se tornar imbatível.
Força do acaso ou não, com total ou a menor pretensão, Nevermind nos prova que toda banda precisa fazer o que acredita. Esse é o caminho da música que vale a pena. O sucesso vem muito depois, se vier. O dinheiro vem ainda depois, se vier. O que precisa vir antes é a verdade translúcida nas canções. O disco em si é que precisa ser o objetivo primordial… é ele que fica pra sempre. A obsessão pela cena pequena, pelo raso alcance, todo magnetismo do underground, por pertencer ao menor grupo, ser pouco difundido, pela verdade em um álbum… tudo isso é muito compreensível e, para alguns, irresistível, essencial. Tudo isso hoje parece ser conversa de maluco ou saudosista... tanta coisa que se perdeu e continua a se perder. Kurt Cobain sempre foi membro desse pequeno grupo, hoje praticamente extinto. Talvez a cabeça de Kurt seja mais simples de entender do que muitos pensam enquanto trazem conceitos mirabolantes sobre sua vida e obra.
- Gus Maia
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