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Foto do escritorTroque o Disco

Tropicalia ou Panis et Circencis? ... ou tudo mais?





O Tropicalismo nasceu como um movimento, uma espécie de manifesto da música brasileira nos anos 60, movido pela principal intenção de estabelecer um diálogo para com outras vertentes artísticas. Caetano Veloso e Gilberto Gil encabeçaram um coletivo que veio a ser elenco de um dos mais importantes discos da música brasileira de todos os tempos.


A Bossa Nova se consagrou desde o final da década de 1950 e urgia o próximo passo da música brasileira. Os anos 60 foram de total estranheza para todo o mundo e, consequentemente, para o universo artístico também. A parte em que há beleza na vida e o mar já não eram mais os principais temas, o mundo encarava uma espécie de início de turbulência e toda manifestação artística, não somente brasileira, como a mundial (principalmente no cinema, música, literatura e nas artes pásticas) muito abordava sobre violência, guerras sociais, mudanças, mudanças e mais mudanças, vindo, portanto, desaguar diante uma realidade pela qual as canções de protesto começaram a se tornar uma frequente, afinal, o mundo sofria demais com as transformações daquele tempo, tal como até hoje continua a sofrer.

Caetano Veloso diz que a maior influência para o Tropicalismo veio do filme Terra em Transe, que saiu ao ano de 1967, de Glauber Rocha. No entanto, em mais pura tradução, o Tropicalismo é da cultura pop, é um pouco de tudo que rodava ao mundo, do cinema europeu ao som britânico dos Beatles, fruto da comunicação direta entre as mais variadas manifestações artísticas.


O disco Tropicalia ou Panis et Circencis saiu em 1968, pela Philips, produzido por Manuel Barembein. O elenco conta com Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa, Nara Leão, Os Mutantes, Tom Zé, Capinam, Torquato Neto e Rogério Duprat.

Musicalmente, nas palavras do próprio Gilberto Gil, as intenções do Tropicalia estavam muito ligadas ao SGT Pepper, dos Beatles e ao som da Banda de Pífanos de Caruaru. Diante disso, considero que dois pilares completamente alucinantes só poderiam ter dois resultados: algo brilhante ou fiasco total. A resposta nos parece óbvia, ao ponto de nem ser preciso ganir em pronúncia.

Gilberto Gil foi fundo ao conceito do SGT Pepper, principalmente em compreender a coisa toda como uma súmula de influências e temáticas ao corpo do disco, o que é de total coerência, há ali percebida toda uma integralidade, funcionando como um sistema.


É caso de feliz encontro com a influência, tornando o projeto influenciado em feito incontestável, ao ponto de serem, por tantas, objetos de lembranças em mútua referência, espécie de links, analogia eficaz, equivalente. Gil ainda foi além em trazer a Banda de Pífanos de Caruaru em referência, sugerindo total semelhança à banda temática do SGT Pepper. Encontro que se fez complementar, alquimia arrebatadora, encontro em bons ventos.

Toda sofisticação sonora que o SGT Pepper trazia, merecia, de fato, um equivalente brasileiro e essa ambição, naturalmente, moveu o projeto.

Outra passagem interessante aos bastidores da fase embrionária do Tropicalia é de quando Caetano precisou trancar Tom Zé para que ele ouvisse o SGT Pepper. Tal medida se fez necessária pela resistência do Tom Zé em ouvir coisas diferentes e, logo após a audição, foram conferir a peça de teatro O Rei da Vela, do mestre Oswald de Andrade. Por essas e outras, a coisa foi curando da melhor forma para um resultado final positivo, não há cabeça que saia impune de tanta grandiosidade em referência criativa.


Terra em Transe, de Glauber Rocha e O Rei da Vela, de Oswald de Andrade, tiveram papéis cruciais ao que seria a possibilidade de uma alegoria do cenário brasileiro e, talvez, tais veículos tenham ajudado, muito motivando ao grande elenco do disco Tropicalia na busca daquilo que viriam, finalmente, dizer.


Citar toda influência e movimentação criativa do Tropicalia é tarefa impossível. Só de encarar aquele time de artistas na capa do disco, podemos notar toda bagagem e inquietude estampadas neles próprios. É complexo antes mesmo de abordar seu tempo, os problemas do povo, as crises e desencontros. Como já compreendido e plenamente palpável, há uma cadeia de acontecimentos artísticos que alimentaram aquele movimento e, ao meu ver, continuam por alimentar o Tropicalia, por, afinal de contas, o considerar atemporal.


O Tropicalismo, em sua amplitude, tem um apelo estético muito forte, de mistura excêntrica. Tudo está muito bem representado na capa do disco, assinada por Rubens Gerchman, tendo, como partida, uma foto de Olivier Perroy. O cromatismo apoia bengala em verde e amarelo e a foto traz menções para com Oswald de Andrade, ao modernismo da década de 20, aos dadaístas e tudo aquilo que os olhos possam notar além. Afinal, eis o maior elemento, a maior riqueza da arte, sua subjetividade.


Não há nada assentado à concepção do Tropicalia e seria um crime limitar esse patrimônio nacional à algum conceito que se limite por si. Prefiro sempre conceber a idéia de que é um movimento inquieto, democrático em idéias, imã das mais variadas manifestações artísticas, uma verdadeira simbiose que vai além de qualquer tipo de conceito, ao ponto de ser mais viável, se for pra rotular, como um conceito por si, o conceito do Tropicalia, do coletivo, da liberdade artística, da mistura de tudo e de todos.


-Gus Maia



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